Net Direito

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3.2.05

Venda de cerveja falsa no Ebay vai parar na justiça

Caso pitoresca de venda pelo Ebay da cerveja Duff, que é uma marca fictícia do desenho Os Simpsons. Na Austrália, duas cervejarias lançaram marcas com esse nome mas foram impedidas por medidas judiciais dos produtores do desenho. Os raros exemplares existentes tornaram-se itens de colecionador. Como a vendedora não possuía a cerveja, o caso foi parar na justiça. Ao se declarar culpada, foi sentenciada a 18 meses de condicional.

posted by Delance at 18:52 | link | |

2.2.05

A Independência dos Impostos

Finalmente o povo brasileiro está acordando do pesadelo tributário. Ou pelo menos acordando para esta realidade que aflige o país há décadas. Chega de desculpas políticas. Impostos servem apenas aos políticos e burocratas que se acham donos do poder e do país. Quando o governo chega a tomar quase metade dos recursos de uma nação, independente da bandeira, estamos nos aproximando do totalitarismo.

Mesmo que seja um totalitarismo light, civil, bem comportado, com bons marketeiros e palavras gentis. Isso não é culpa de nenhum governo especifico, mas de todos. Desde o retorno á democracia, independente do partido no poder, têm sido constantes no Brasil a corrupção, o aumento de impostos e da violência. A relação entre os dois primeiros é, ao mesmo tempo, evidente e desanimadora. A última é a prova de que o gigantismo estatal é, na melhor das hipóteses, totalmente inútil. Quanto maior é o Estado, menor é sua presença onde é desesperadamente necessário, como na área de segurança. Mesmo a saúde e a educação têm sido mero pretexto. A CPMF há muito deixou de ser temporária ou ajudar a saúde. E de quebra neutralizou o sigilo bancário por meio do cruzamento de dados.

Impostos abusivos são um desastre para o crescimento econômico. Qualquer debate sobre política econômica que não trate da diminuição da carga tributária não terá resultados. Os efeitos tóxicos do abuso fiscal na sociedade são como um elefante numa loja de louças. Não dá para ignorar.

A verdade é que o imposto é uma das formas de dominação mais eficientes já concebidas pelo homem. No passado, foi através dos impostos que as metrópoles controlavam suas colônias. E foi para se libertar dos impostos que as colônias das Américas começaram a declarar sua independência.

Não foi diferente no Brasil Colônia, onde ocorreram revoltas contra o imposto do Quinto. Com a carga tributária batendo em escorchantes 40%, chegamos ao dobro desta monta. Um brasileiro é taxado, atualmente, em quase o dobro do montante que um brasileiro da era colonial achava inaceitável.

Deve ser motivo de choque aos estrangeiros constatar o nível de impostos, tributos e contribuições sociais submetidos aos brasileiros. Menor não deve ser a surpresa ao descobrir todas as regalias, benesses e apadrinhamentos outorgados pelos beneficiários do poder a si mesmos. Mas talvez o que os deixe mais atônitos seja a maneira insidiosa como o cidadão não tem escolha nem escapatória.

Porque todo nosso sistema brasileiro é desenhado de modo hostil aos contribuintes, refletindo o que vem a ser chamado de sanha tributária. O cidadão é tratado como um marginal. Inexoravelmente vê seus direitos serem corroídos Passivamente tem o fruto de seu suor abocanhado por mordidas cada vez maiores. E não se enganem, o Estado Brasileiro brilha na área de achacar seus contribuintes. Temos know-how para dar e vender. Muito mais do que urnas eletrônicas, samba e futebol, a capacidade do governo brasileiro de bater recorde em cima de recorde de arrecadação é motivo de inveja para a receita de outros países. Somos líderes mundiais.

Uma reforma real do sistema tributário é essencial para que se comece a pensar em uma solução para qualquer problema. Fugir dessa realidade é demagogia. O que se pede é nada menos do que a justiça. Está na hora da sociedade como um todo dar seu grito de independência e dizer chega ao abuso tributário.

posted by Delance at 21:16 | link | |

1.2.05

Quem sabe ensina

"O tributo é um fantástico instrumento de poder, de domínio, de controle da sociedade. Serve, fundamentalmente, aos governantes (burocratas e políticos), tendo, às vezes, um efeito colateral -mas não absolutamente necessário- que é permitir ao Estado prestar serviços públicos." ( Ives Gandra da Silva Martins, Folha de Sâo Paulo)

Excelente e necessário artigo, escrito por quem sabe. Leitura recomendada que trata claramente do abjeto confisco tributário imposto ao povo brasileiro. Fica cada vez mais claro que, mais do que arrecadação, os impostos são um meio de domínio estatal sobre a sociedade. Agradecimentos ao César pela dica.

posted by Delance at 20:00 | link | |

28.1.05

RIAA processa 717 usuários de programas de compartilharão de arquivos

A RIAA (Recording Industry Association of America) afirmou ter entrado com novos processos contra indivíduos que tenham trocado arquivos digitais pela Internet. Mais um capítulo na contínua disputa legal da industria americana de música com a troca de arquivos pela Internet.

posted by Delance at 07:00 | link | |

26.1.05

Microsoft planeja cortar updates de softwares piratas

Esse tipo de atitude pode trazer diversas conseqüências. Não é a toa que a Microsoft tenha sido reticente em adotá-la, e esteja fazendo um teste em países Europeus. Talvez o uso do programas piratas diminua. Mas, por outro lado, existirão mais copias de Windows vulneráveis no mundo. O fato é que sistemas operacionais vulneráveis podem oferecer perigos não somente para seus usuários, como para terceiros.

Esta estratégia pode ser um incentivo para a migração de usuários para sistemas operacionais alternativos. Especialmente porque uma significativa parcela dos usuários de Windows não teria meios para arcar com os custos do programa. A gigante do software parece não estar alheia a estes fatos e planeja oferecer meios acessíveis para legalizar o Windows.

Outro aspecto é o meio pelo qual o controle tecnológico de acesso será implementado. As iniciativas nesse sentido têm se provado de difícil implementação, tanto por dificuldades jurídicas, em alguns casos, quanto em rejeição por parte dos usuários.

posted by Delance at 17:43 | link | |

25.1.05

O verdadeiro papel do Estado sob a ótica do direito principiológico

Os operadores do direito muitas vezes se atem a detalhes técnicos, perdendo de vista os princípios que regem o conjunto do ordenamento jurídico. Na verdadeira derrama tributária que vigente Brasil, os advogados que questionam os tributos perdem tempo demais em tecnicismos, não mergulhando no cerne da questão de que o governo não pode simplesmente confiscar o que bem lhe aprouver quando precisar de recursos.

A doutrina por trás da prática administrativa é bem conhecida. As necessidades da administração pública são infinitas, mas os recursos são finitos. Como o governo não fabrica dinheiro, tem que pegar junto à sociedade, compulsoriamente. Na prática, o governo pega a força dinheiro da sociedade, com a justificativa de que tal ato é em nome da própria.

Em termos legais, a Constituição faz um trabalho razoável ao limitar o poder do Estado de tributar. Entretanto, existe uma porta aberta, as contribuições sociais, como a CPMF e o Imposto sobre o lucro líquido, que se tornaram as grandes vilãs. Ao contrário dos demais tributos, o governo pode gastar como bem entender 80% do valor arrecadado por meio dessas contribuições, para as quais não se aplicam diversas restrições legais ao poder de tributar. A exceção tornou-se a regra. Segundo consta, cerca de dois terços dos recursos federais vem das tais contribuições.

É tudo bem simples. Precisa de dinheiro? É só “gerar receita”, ou seja, confiscar da população. Está mais do que comprovado que a maior parte da carga tributária brasileira recai sobre a classe média e os pobres, uma vez que é mais fácil cobrar imposto sobre quem trabalha e consome, justamente quem menos tem dinheiro. O imposto sobre consumo do Brasil é absurdo, e seu efeito é mais grave quando combinado com o altíssimo ônus imposto ao trabalho. Como remédio para isso tudo, propõe-se mais intervenção estatal, como se dar mais poder para políticos em Brasília resolvesse algum problema.

Existem algumas maneiras de se criticar a situação através do direito principiológico. Uma, através dos princípios supra-constitucionais, ou seja, princípios que estão acima da própria constituição. Não se pode, nem que a própria carta magna o determine, aplicar leis e regras que vão de encontro à própria sociedade. Obviamente, tal corrente é polêmica, mas não se faz necessário recorrer a ela, uma vez que é possível alcançar as mesmas conclusões por meio da verificação da harmonia entre os preceitos constitucionais. Princípios como a livre iniciativa, o valor social do trabalho e a vedação do confisco são claramente rompidos pela atual sistema tributário.

A grande questão é que o poder de que fala o artigo 1º § único da Constituição não tem sido exercido em nome do povo, mas em nome do Estado. Os direitos não são dados pelo Estado, nem por força de lei. Existem independentemente de ambos. No máximo, a lei declara ou reconhece tais direitos. A diferença de nomenclatura é relevante. Por esse motivo temos o tratado da “declaração” dos direitos humanos, e a Constituição norte-americana “reconhece” direitos inalienáveis.

A problemática encontra-se na confusão entre interesse da sociedade e interesse do Estado na expressão “interesse público”. Ora, o que interessa ao Estado nem sempre interessa à população, e vice-versa.

Como resolver a questão? Num estado politicamente liberal, que se propõe democrático, o interesse da população sobrepõe-se ao interesse do Estado. A população vem em primeiro lugar, não o Estado. Num estado totalitário ou coletivista, o interesse do Estado suplanta o interesse privado. Cabe ao cidadão obedecer ao interesse “comum” consubstanciado, é claro, na vontade do Estado.

O Estado declara-se mandatário do povo, e outorga-se o direito de agir contra este, em favor próprio. Nesse caso, mesmo eleições livres teriam o escopo de tão somente escolher qual grupo político teria o poder totalitário, ainda que um totalitarismo civil com aparente legitimidade. Democracia é muito mais do que escolher quem ocupa os cargos de liderança, consistindo igualmente na limitação do poder estatal.

posted by Delance at 17:20 | link | |

24.1.05

Considerações ideológicas

Dentro do direito de um modo geral, posições simplesmente não se encaixam em esquemas ideológicos simplistas, que já são tortos por natureza.

Um dos principais pontos críticos do Direito do Autor é o uso de mecanismos legais para se diminuir a concorrência, o que não tem nada de capitalismo. Leis mais adequadas proporcionam uma maior competição, para o beneficio de todos, especialmente os consumidores. Os rótulos simplesmente não cabem.

Quem conhece o pensamento de Mises sabe que liberal é o regime dominado pelos consumidores. Quem manda é a demanda, não o vendedor. Não seria razoável dizer que o DRM tenta inverter essa prioridade, contrariando este principio expresso?

posted by Delance at 05:29 | link | |

20.1.05

O Controle do Estado sobre a Internet

"A nation that limits freedom in the name of security will have neither."
Thomas Jefferson

Com o propósito de combater usos nefastos da rede, tramitam diversos projetos de lei, no Brasil e no exterior, que visam estabelecer um maior controle governamental sobre a Internet assim como o fim do anonimato na rede.

Entre as diversas iniciativas, destaca-se a previsão por um maior rigor no cadastramento dos usuários de e-mails. Embora a práxis do mercado já seja de requerer diversas informações para o registro de um endereço de e-mail, o um objetivo é mais relacionado com o marketing direcionado do especificamente que com a identificação do usuário. Não que essa preocupação não ocorra aos provedores de e-mail que, usualmente, incluem o endereço IP do usuário no header (cabeçalho) das mensagens, de maneira a mais facilmente identifica-lo. Impor aos provedores a responsabilidade de verificar informações cadastrais iria tornar o processo lento, caro, e totalmente desnecessário em face da facilidade de simplesmente optar por um provedor estrangeiro.

Afinal, a natureza internacional impõe grande dificuldade às tentativas de controlar o conteúdo da Internet por parte das legislações nacionais. Leis que controlam o conteúdo são frustradas pela facilidade de simplesmente hospedar esse conteúdo num provedor localizado em país que em que valem outras regras. O mesmo pode ser dito em relação a regras quanto à identidade do responsável pelos sites.

O próprio cadastramento rigoroso dos usuários de internet pelos provedores e a disponibilização desses dados aos governos não teria o escopo de impedir o anonimato, tendo-se em vista os estabelecimentos que disponibilizam publicamente o acesso. Mesmo um endurecimento nas regras quanto às informações registradas pelos usuários pelo provedor vai de encontro com a existência de outros meios de acessar a Internet sem a contratação com um provedor. Esse é o caso de Lan-Houses e Cyber-Cafes, que, assim como de escolas, universidades ou centros comunitários, que permitem um acesso relativamente anônimo, em maior ou menor grau. Tornar obrigatório um cadastro para esse tipo de serviço, seja de natureza gratuita ou comercial, necessitaria de uma série de previsões legais traria conseqüências indesejáveis. A burocratização e conseqüente aumento de custo no estabelecimento de terminais públicos de acesso à rede teriam um impacto negativo no processo de inclusão digital. Essa atividade deve ser incentivada e não dificultada, de modo a desenvolver o mercado, gerarando competitividade, qualidade e preços acessíveis.

A questão da identificação é complexa. É perfeitamente normal que várias pessoas acessem o computador através do mesmo usuário. Afinal, a internet é um recurso geralmente utilizado por várias pessoas, assim como água, luz e telefone. Assim como nem todos que assistem TV ou falam no telefone são o assinante, nem todos que acessam a internet através de um determinado nome de usuário são o titular. Alem disso, existem diversas maneiras pelas quais a senha de acesso pode ser utilizada indevidamente, como no caso de uma invasão de computador por hackers. Com tantas possibilidades do autor do ato praticando o ato na rede ser outra que o responsável formalmente pelo acesso, é obvio que a responsabilidade criminal presumida pode gerar situações injustas. Questão similar é a da perda de pontos na carteira de habilitação do titular do veículo, decorrente da suposição de que o titular esteja dirigindo o carro. Ao transpor-se essa dinâmica para a Internet, acaba-se por impor ao acusado o ônus da prova.

Os reflexos na economia “virtual” brasileira seriam negativos. O investimento necessário em softwares especializados para que provedores e estabelecimentos se adaptassem a esse tipo de regulamentação burocrática seria significativo, e provavelmente haveria um aumento na procura de opções internacionais. Empresas que provêm serviço de anonimato na rede seriam beneficiadas, visto que, mesmo com a aprovação das leis, é possível continuar no anonimato utilizando um serviço de e-mail internacional ou recurso de criptografia, o que impediria a leitura por qualquer outro computador que não tenha a chave de leitura, mesmo que a mensagem fosse interceptada. Outro ponto é a extrema facilidade com que se pode cadastrar dados falsos num provedor de internet ou serviços de e-mail. Existe pouca dificuldade em alguém simplesmente utilizar-se de dados de outras pessoas, e os provedores, devido à natureza virtual do negócio, não tem meios práticos de verificar veracidade das informações apresentadas. Na prática, para adequar-se as leis, o processo seria burocratizado, encarecido, e facilmente substituível por opções fora do país. De nada adianta a ênfase em relação ao uso de e-mail quando existem inúmeras outras formas de comunicação na net, de redes peer-to-peer a grupos de discussão e salas de bate papo. De qualquer modo, o anonimato do uso desses serviços é relativo, tendo-se em vista a capacidade de identificar os usuários através de seus respectivos endereços IP.

Deve ser notado que, de um modo geral, as práticas que se pretende combater com essas iniciativas já são consideradas crime. Neste caso, poder-se-ia estar legislando sobre o que já foi legislado. Se a conduta anti-social já esta prevista em uma lei que tem se mostrado eficiente, qual seria a eficácia de estabelecer novas regras? Leis que tenham o escopo de ampliar enormemente o controle do governo sobre o conteúdo da Internet partem do princípio que, quanto maior o controle do Estado sobre a sociedade, maior sua capacidade de coibir atividade criminosa.

Mas até que ponto esse controle é compatível com as liberdades do espaço democrático que é até o momento tem sido a Internet? E quanto ao espaço da privacidade, cada vez mais escasso na sociedade da informação? Países como a China impõe um severo controle ao uso e conteúdo da Internet. O governo chinês decide o que seus cidadãos podem acessar, em especial em ralação sites internacionais que criticam o regime político, desde sites de direitos humanos até à popular ferramenta de busca “Google”. Independentemente da nobreza de propósito, uma lei que aumenta o controle do Estado sobre a sociedade pode ser utilizada para os mais diversos fins, por vezes completamente diversos dos originalmente intencionados.

posted by Delance at 03:59 | link | |

Limitações ao Direito Autoral na Lei Brasileira, Cópia Privada e Engenharia Reversa de Software

No Brasil, ao contrário dos EUA, existe uma série de previsões legais para situações não atingidas pelo Direito do Autor. Estão previstas pelo art. 46 da Lei 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais) e pelo art. 6 o da Lei do Software. Anteriormente, eram previstos pelo art. 49 da antiga Lei 5.988/73. Na verdade, sob um ponto de vista científico, esses artigos confundem os limites ao direito do autor propriamente ditos com certas atividades que deveriam ficar à margem da proteção ao direito do autor. O direito a uma cópia privada sem o intuito de lucro, na verdade, é uma expressão do princípio da liberada do uso privado. O direito à reprodução está implícito, assim como a restrição quanto ao lucro. Afinal, como o Direito do Autor é um meio de incentivo econômico, o exclusivo é exatamente o direito de exploração econômica da obra, não podendo esta ser utilizada para fins de lucro sem autorização.

A Lei do Software também prevê certas hipóteses próprias a este tipo de obra protegida. O art. 6 o, em seu inciso I, consagra no direito brasileiro o direito de cópia de segurança (backup) com a redação: “a reprodução, em um só exemplar, de cópia legitimamente adquirida, desde que se destine à cópia de salvaguarda ou armazenamento eletrônico, hipótese em que o exemplar original servirá de salvaguarda”. Já o inciso II do mesmo artigo expressamente determina ser lícito “a ocorrência de semelhança de programa a outro, preexistente, quando se der por força das características funcionais de sua aplicação, da observância de preceitos normativos e técnicos, ou de limitação de forma alternativa para a sua expressão”. Este artigo é muito relevante ao direito brasileiro, pois enfatiza o Princípio Constitucional de Livre Concorrência e as limitações do Direito do Autor quanto a impossibilidade de proteger idéias e elementos funcionais. Em sintonia com a melhor prática do Direito encontra-se a Lei Brasileira, e no mesmo sentido tem caminhado o Direito nos EUA, através de decisões judiciais, como no caso SEGA vs. Accollade ou Lotus Development Corp. vs. Borland International em 1995, e da Comunidade Européia. Infelizmente, a lei Brasileira é omissa no que tange à engenharia reversa de software.

O caso Lotus Development Corp. vs. Borland International foi uma disputa judicial entre duas empresas produtoras de Software. A Lotus produzia o Lotus 1-2-3, e a Borland, o Quattro Pro. A Borland produziu seu programa de computador com a interface idêntica ao da Lotus, de maneira que os usuários da Lotus 1-2-3 pudessem usar o Quattro Pro sem dificuldades. A Lotus entrou com ação em face da Borland por infração de Copyright. Grande parte da controvérsia foi a respeito da possibilidade de se proteger pelo direto do autor a mera interface do programa. Por fim a decisão final achou "absurdo" sugerir que "se alguém faz uso de vários programas diferentes, seja forçado a aprender como efetuar cada a mesma operação de maneiras diferentes em cada programa utilizado". A corte decidiu que, se uma empresa atinge um monopólio, por conseqüência a maioria do mercado fica bem adaptada à interface de seu programa. Desse modo, é justo que um competidor utilize a mesma interface como meio de concorrência. Podemos entender que no mesmo sentido caminha a Lei do Software brasileira, em consonância com os princípios constitucionais.

Como vimos, a expansão do Direito do Autor e o Controle Tecnológico de proteção tem colocado em xeque os tradicionais limites do Direito do Autor. Nos EUA, existe um grande debate sobre a hierarquia das normas que tratam desta questão: pode uma lei estabelecer uma nova proteção ao direito do autor que efetivamente neutralize a doutrina do Fair Use, ou esta doutrina constituiria um direito que não poderia ser afetado? De fato, naquele país, a expansão da proteção ao direito do autor vem erodindo progressivamente o Fair Use, visto que os titulares do direito do autor agora detêm a capacidade de expandir seu controle sobre a obra. Esta expansão tem sido alcançada por dois meios. O primeiro é a utilização de mecanismos tecnológicos de controle de acesso à obra que são mesclados em suas fixações, e o segundo ocorre por uso de licenças de utilização, tais como as “Shrink-Wrap” e “Click-Wrap”, sobre quais o usuário final não detém nenhum controle. São contratos de adesão que podem impor ao usuário condições e restrições mais fortes do que as previstas na legislação e virtualmente neutralizam a doutrina do Fair Use. Nos EUA, como as possibilidades utilização vêm progressivamente sendo codificadas na própria fixação da obra, e esse código é protegido pela Lei e pelas licenças de uso, quem está determinando as limitações são os próprios produtores, e não a sociedade através de leis.

E quanto ao Brasil? É possível que mecanismos de Controle Tecnológico de Acesso ou Licenças de Utilização tenham o escopo de efetivamente impedir a utilização das obras nos termos do art. 46 da LDA/98 ou do art. 6 o da Lei do Software? Podem os produtores, fazendo uso de diversos meios tecnológicos, como o Digital Rights Management ou proteções anticópia, deter o controle absoluto sobre a utilização da obra? Entendo que não. As hipóteses previstas são normas de ordem pública. Torna-se, destarte, inafastável sua aplicação por qualquer contrato ou mecanismo tecnológico de controle. Como é notório, ao contrario das normas dispositivas, as normas cogentes são aquelas que amparam altos interesses sociais e não podem ser afastadas pela vontade das partes – seja essa vontade expressa por uma licença ou por um mecanismo de controle. É esta a fundamental diferença entre o jus cogens e o jus dispositivum, que torna as hipóteses previstas nos artigos inatingíveis. Outro não pode ser o entendimento, especialmente porque essas normas têm o fito de descaracterizar a violação ao direito do autor, inclusive na esfera do direito criminal, tanto por tratar-se de norma penal em branco e conforme expressamente previsto pelo art. § 4 o do art. 184 do Código Penal.

Mas e quanto ao art. 107 da LDA/98? Bom, entendo que este artigo visa defender somente os mecanismos tecnológicos cujo objeto seja protegido pelo direito do autor. Não tem o escopo de permitir aos titulares outorgar-se de novos direitos fora das hipóteses previstas na lei. Portanto, não havendo violação ao Direito do Autor nos termos da lei, não é aplicável à proteção do art. 107. Em outras palavras, somente será aplicável o disposto neste artigo nas hipóteses em que efetivamente existir uma violação ao direito do autor, excluindo-se expressamente aquelas previstas pelo arts. 46 da LDA/98 e 6 o da Lei do Software, que não podem ser afastados nem pelo uso de licenças de uso, nem por dispositivos tecnológicos. O mesmo pode ser dito em relação a objetos que não podem ser protegidos pelo direito do autor. Ora, não há razão para aplicar o art. 107 nas situações sob as quais não recai a proteção autoral.

E quanto às hipóteses previstas nesses artigos, são exemplificativas ou exaustivas? Em geral, entende-se que as hipóteses são exaustivas devido ao comando do art. 4 o da LDA/98 que determina a interpretação estrita dos negócios jurídicos relacionados ao Direito do Autor. Na verdade, algumas das hipóteses previstas são razoavelmente vagas e sujeitas a interpretação. Mas seja como for, é mister perceber que as hipóteses enumeradas pelos arts. 46 da LDA/98 e 6 o da Lei do Software não constituem a totalidade das limitações ao direito do autor. Em outros artigos da própria Lei do Direito do Autor, por exemplo, encontramos limites quanto ao que se pode ser objeto de proteção. Além disso, como vimos, existem princípios constitucionais aos quais o Direito do Autor está sujeito. Uma provisão de anti-circunvenção não deve ter o fito de impedir a divulgação de pesquisas científicas, ainda que formalmente os resultados possam formalmente violar os preceitos dessa lei.

Cópia Privada

 A LDA/98 limitou a reprodução privada sem fins lucrativos através do art. 46, inciso II, à reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”. Estaria desse modo expressamente abolido o direito à cópia privada nos termos do art. 49 da antiga Lei 5.988/73? Seria no Brasil ilegal fazer uma cópia privada sem fins lucrativos? Certamente que não. Trata-se de um direito que escapa ao alcance do Direito do Autor, protegido pelo princípio da livre utilização privada. Neste sentido entende a doutrina majoritária, como o jurista JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, que ensina que permissão da cópia privada é “(...) uma manifestação do principio da liberdade do uso privado.” e que “(...) é livre a reprodução para o uso privado. Isto é mera decorrência de direito patrimonial se reduzir a um exclusivo de exploração econômica da obra” (1). No mesmo sentido, afirma ANGELA BITTENCOURT BRASIL, membro do Ministério Público do Rio de Janeiro, que: “Temos nos posicionado sempre de forma a entender que realmente as cópias de obras feitas para o uso particular não fere o direito do autor”.(2)

A legalidade da cópia privada, que existia através de construção doutrinária, foi consagrado no direito brasileiro pela Lei 10.695, de 1 o de Julho de 2003, que alterou dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal relacionados ao Direito do Autor. Entre os artigos alterados encontra-se o novo § 4 o do art. 184 do Código Penal, com a seguinte redação, in verbis:

 “Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (...)
§ 4º O disposto nos §§ 1º, 2º e 3º não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.” (grifei)

Assim como na redação anterior, a conduta descrita no caput exige o elemento subjetivo do dolo, e as condutas dos parágrafos exigem também o intuito de lucro. A grande mudança está na previsão expressa da cópia privada como limitação ao direito do autor. A menção expressa às exceções expressamente previstas na LDA/98 é desnecessária, uma vez que, como vimos, existem limitações não expressamente previstas naquela lei. Para não falar na própria Lei do Software, que estabelece limitações específicas.

Engenharia Reversa de Software

Conforme percebemos, no Direito Brasileiro existem outras utilizações livres não expressamente previstas na LDA e na Lei n ° 9.609/98, conhecida como “ Lei do Software”. Seria este o caso, então, da engenharia reversa de software? Este mecanismo é protegido tanto nos EUA quanto na Europa, mas a lei brasileira é completamente omissa nesse ponto: nada diz a favor, nem contra. Seria esta atividade permitida no ordenamento jurídico brasileiro, não constituindo ofensa aos direitos dos titulares dos programas de computador? Entendo que sim, desde que a engenharia reversa de software opere justamente sobre objetos que são insuscetíveis de proteção pelo direito do autor. Não existe proteção a estes, conforme determina o art. 8 o da LDA/98.

No que diz respeito à utilização idéias e elementos funcionais presentes em outro programa de computador, não existe nenhuma violação ao direito do autor, conforme podemos aduzir da interpretação do art. 6 o, inciso III, da Lei do Software, com a seguinte redação: a ocorrência de semelhança de programa a outro, preexistente, quando se der por força das características funcionais de sua aplicação, da observância de preceitos normativos e técnicos, ou de limitação de forma alternativa para a sua expressão”. Ora, se essas características não são protegidas, qual seria a base para proibir-se a descompilação de um determinado software com o fim de obtê-las?

Para além disso, temos em questão o princípio Constitucional da Livre Concorrência. O Direito do Autor não pode ser utilizado para a proteção de monopólios ou eliminação de concorrência. A engenharia reversa de software é um importante elemento de pesquisa que visa o aumento de concorrência e o desenvolvimento da tecnologia, em nada afetando o que é protegido. Entendê-la como lícita é, ao mesmo tempo, a boa interpretação dos princípios do Direito do Autor e a aplicação prática dos princípios constitucionais. Especialmente em um mundo cada vez mais globalizado, um país importador de tecnologias de informação como o Brasil não deveria excluir de seu ordenamento jurídico este importante meio de promoção de pesquisa tecnológica e incentivo à livre concorrência. Sobretudo em um contexto internacional onde este meio tem sido amplamente permitido, em que pese os constantes debates doutrinários e jurisprudenciais, não permitir a engenharia reversa de software no Brasil não seria o melhor para estimular nossa incipiente industria de software, nem a prática do melhor direito.

1 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2a ed, Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 257

2 BRASIL, Angela Bittencourt. O Napster nos caminhos da legalidade.

posted by Delance at 03:57 | link | |

A Expansão do Direito do Autor no âmbito internacional

Após a aprovação do Digital Millennium Copyright Act (DMCA) nos Estados Unidos, a Europa pode sentir o fortalecimento da proteção autoral na medida em que suas leis começarem a refletir a Diretiva Européia de Direitos de Autor (EUCD). Mais do que puramente fortalecer, esses dispositivos expandem o direito do autor minando expressivamente suas limitações. Essa vem sendo a tendência mundial desde a elaboração do Tratado da OMPI sobre o Direito do Autor (WIPO Copyright Treaty) em 1996, com objetivo de gerar uma resposta ao crescente desafio de proteger obras intelectuais na era da Internet. Muito embora o tratado em si não tenha sido assinado por diversos países, serve de parâmetro para o novo paradigma de proteção ao direito do autor. Muitos estados não-signatários adotaram diversas de suas medidas em seu direito interno, como o caso do Brasil, com as novas leis de Direitos Autorais e Software de 1998.

Talvez a parte mais polêmica dos tratados seja a proteção ao Controle Tecnológico de Acesso por meio da implantação de provisões anti-circunvenção. A EUCD trata deste tema em seu artigo 6, ao determinar que a proteção contra a neutralização de medida eficaz de caráter tecnológico. A princípio, têm essas o objetivo de proteger obras intelectuais contra usos que infrinjam o direito do autor como, por excelência, a pirataria. Na prática, entretanto, como o poder da lei recai sobre o mecanismo de proteção, e não sobre a obra em si, usos lícitos poderiam ser igualmente proibidos. Se uma produtora de DVDs quiser obrigar o usuário a assistir propagandas antes dos filmes, tal medida conta com a proteção da lei. Quem ousar pular essa chateação correrá risco de ser visto como infrator, pois estará violando um controle tecnológico de acesso. Obviamente tal medida restringe significativamente a liberdade de uso privado. Além das medidas de anti-circunvenção do artigo 6.1, a EUCD prevê a proibição das ferramentas e mecanismos que possam ser utilizadas para esse fim. Com isso, alguma exceção venha a ser prevista para a circunvenção de medidas de controle tecnológico corre o risco de não ter nenhum efeito prático, pois de nada adiante permitir a conduta mas proibir as ferramentas.

Este gênero de dispositivo legal visa dar aos detentores de direito o absoluto controle sobre a utilização das obras protegidas, mesmo não sendo esse um dos objetivos originais do Direito do Autor. Tendo-se em vista a experiência desse tipo de legislação nos Estados Unidos através do DMCA, não é difícil imaginar que resultados semelhantes venham a ocorrer na Europa com a EUCD. A expansão ao direito do autor carrega um enorme potencial de utilização diversa da pretendida, como para defender monopólios. A EUCD trata das Informações sobre Gestão de Direitos (Rights Management Information, ou RMI) em seu artigo 7. Seria possível fazer uso de dispositivos legais que protegem a gestão de direitos para impedir o uso de certos formatos de arquivos de computador, criando obstáculos para a interoperabilidade de programas. Tal fato causaria sérias dificuldades para o desenvolvimento de outros programas que viessem a concorrer numa área onde o monopólio já está estabelecido. Desse modo ocorreria um prejuízo para a concorrência de iniciativas, como o software livre, que precisarem fazer uso de engenharia reversa para desenvolver programas capazes de utilizar os formatos de arquivos estabelecidos como padrão no mercado.

Também é factível que se utilize a lei para impedir pesquisas em ramos como a criptografia, conforme já ocorreu nos EUA, mesmo com as exceções previstas pela legislação americana. Pode-se até mesmo indiretamente coibir certas atividades legais, como o uso de obras com propósitos de crítica ou paródia, por meio da proibição dos mecanismos que permitem a cópia de material protegido. Tal fato iria claramente de encontro com a liberdade de expressão. Até mesmo discussões a respeito de falhas de segurança e bugs em sistemas teoricamente poderiam sofrer repreensão caso possam ser utilizadas para a circunvenção de medidas efetivas de controle tecnológico ou informações sobre gestão de direitos. Deve-se notar que isso se daria mesmo que o teor das discussões fosse de interesse público, e apenas apontassem para a existência de falhas já existentes em um programa.

Essa exacerbação foge aos princípios fundamentais que norteiam o direito do autor. O objetivo da proteção autoral é incentivo à produção cultural, o que não é o mesmo que o controle total da obra. E se, por um lado, o monopólio criado pela lei tem limites, por outro tem objetivos definidos com os quais as medidas de proteção devem estar em consonância. Nenhuma lei deve fornecer um direito que fuja a estes princípios, ou que permite que o direito do autor seja usado com o propósito de restringir outros direitos. Para que o direito do autor cumpra seus objetivos, é necessário manter o equilíbrio entre a suas necessidades e os interesses e liberdades da sociedade.

posted by Delance at 03:52 | link | |